Arapongas quer tomar de Bento Gonçalves o posto de
maior polo de produção de móveis do país. E não está sozinha – São Bento
do Sul também deve entrar na disputa
Por muito tempo, o polo moveleiro de Arapongas, no Paraná, ficou
conhecido pela capacidade de fornecer mesas, armários, sofás e outros
produtos às classes C e D. Com o aumento do poder de compra da população
e facilidades de acesso ao crédito, porém, as indústrias de móveis da
região norte do Paraná resolveram investir fortemente em tecnologia e
design – e desenvolver produtos com maior valor agregado. Com
isso, pretendem desbancar o polo de Bento Gonçalves, na serra gaúcha,
que ainda lidera o ranking nacional do setor em faturamento. Tanto é
verdade que os empresários de Arapongas estabeleceram um prazo de apenas
três anos para assumir a liderança no segmento de produtos dirigidos à
classe B. Nessa disputa de mercado entre os três Estados do sul, o
conglomerado de fábricas de São Bento do Sul, em Santa Catarina, que
dirige 71% de sua linha de produção para as exportações, também se
movimenta para ganhar mais espaço no mercado doméstico, diante da queda
das vendas externas.
A guinada da indústria paranaense não é casual. O diretor do IEMI
Inteligência de Mercado, Marcelo Prado, explica que, impulsionadas pelas
mudanças registradas pela economia do país na última década, as camadas
que ascenderam na escala social mudaram seu comportamento na hora de ir
às compras. Hoje, elas estão dispostas a pagar mais pelos produtos que
consomem – desde que percebam neles um diferencial que justifique o
gasto. “E quando o cliente migra para um produto mais sofisticado, meu
amigo, se você não for junto com ele, pode estar certo de
que vai perdê-lo”, assinala Prado.
Uma pesquisa elaborada pelo IEMI mostra que, mais do que a qualidade do
produto, o design é o que efetivamente atrai o consumidor quando ele
entra em uma loja de móveis (veja mais detalhes a seguir). Para 41,1%
das pessoas consultadas, o item “beleza” é o que chama a atenção em
primeiro lugar no momento da compra. Apenas 18,6% priorizam aspectos
como “resistência” e “durabilidade”. “Para os compradores de móveis, a
qualidade, a resistência e a durabilidade são fatores relevantes na
decisão de compra, mas a beleza e o design do produto são fundamentais”,
sintetiza o diretor do IEMI.
Não por coincidência, portanto, as fábricas de Arapongas estão apostando
alto na criatividade e ousadia na elaboração dos móveis – tudo para
tentar impressionar o novo consumidor. “Sem dúvida, o impacto visual é
importante. É como amor à primeira vista”, compara Nelson Poliseli,
presidente do Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas (Sima).
Segundo ele, as empresas estão investindo em maquinário e qualificando a
mão de obra para alcançar um crescimento de 8% a 10% nas vendas em
2013. Poliseli só reclama da concentração de matéria-prima nas mãos de
poucos fornecedores, o que encarece os insumos. “Temos meia dúzia de
fabricantes de painéis. Não surpreende que deitem e rolem na hora de
fixar os preços”.
Um dos aspectos que saltam aos olhos na nova linha de produção de
Arapongas é o maior cuidado nos acabamentos e materiais. As fábricas
estão utilizando mais espelhos e alumínio nos armários de cozinha. Já os
colchões e estofados fabricados estão ganhando cores e modelos
mais modernos – eles agora saem da fábrica com assentos retráteis, além
de outros componentes de maior qualidade. Internamente, as indústrias
estão investindo na compra de novos equipamentos, como esteiras e
máquinas, que substituem o trabalho manual. Desse modo, as empresas
aceleram o tempo de fabricação dos móveis fabricados com MDF (painel de
fibra de madeira de média densidade) e MDP (painel de partículas de
madeira de média densidade). Alguns fabricantes aplicam as chamadas BP
(já revestidas em diversos padrões).
Marcelo Prado alerta, porém, que a migração de uma linha popular para
outra de maior sofisticação não será simples. “Não basta produzir
um móvel mais sofisticado. Para que esse diferencial seja percebido pelo
cliente, é preciso investir também em logística, transporte,
distribuição, novos canais de venda, sistemas de pós-venda, entre outros
itens”. Um exemplo: a montagem de móveis seriados é feita, geralmente,
pelo próprio cliente em casa, por meio de um sistema de encaixe. Em
contrapartida, a customização faz com que a montagem do produto seja bem
mais complexa. Móveis de madeira maciça, por exemplo, exigem maior
cuidado das áreas de transporte e embalagens das fábricas para evitar
danos e avarias durante o trajeto percorrido dentro do caminhão.
“Imagine o zelo que se deve ter para transportar o produto do Paraná até
um Estado do nordeste – outro mercado que está mudando devido ao maior
poder de compra da população”, aponta Prado.
Consultor do setor moveleiro da Federação das Indústrias do Estado do
Paraná (Fiep), Constantino Bezeruska concorda que a travessia para
atender um público mais exigente é uma ousadia que nem todas as empresas
estarão aptas a realizar. “Promover mudanças radicais não é um processo
fácil”, afirma Bezeruska, citando ainda a falta de mão de obra como uma
dificuldade que afeta as indústrias do setor.
Polo exportador
Com mais de um século de tradição, o polo de São Bento do Sul, no
planalto norte de Santa Catarina, possui uma trajetória marcada
por investimentos em alta tecnologia e qualificação de funcionários para
atender ao exigente mercado externo. Não por acaso, São Bento do Sul é o
maior exportador de móveis do país: cerca de 70% da produção se destina
às vendas externas. “Aqui se formou um dos clusters moveleiros mais
expressivos do mundo, com fornecedores, indústrias, prestadoras de
serviços, laboratórios e instituições de ensino técnico superior”,
sustenta Fernando Gassner, presidente do Sindicato das Indústrias de
Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul (Sindusmobil). A maioria
das empresas da região trabalha com produtos de alto valor agregado.
Para Gassner, a utilização de madeira maciça e de acabamentos especiais
resulta em móveis de “qualidade superior”. Entretanto, em função do
desequilíbrio cambial e da crise econômica internacional, que atingiu
particularmente Estados Unidos e Europa (principais mercados
consumidores dos móveis feitos no Brasil), algumas empresas tradicionais
da região fecharam as portas e outras reduziram suas atividades. “As
que sobreviveram foram aquelas que se adaptaram ao mercado interno”,
anota Marcelo Prado, do IEMI. Nesse percurso, os empresários foram
obrigados a prestar atenção em alguns detalhes, “Nos Estados Unidos, por
exemplo, há uma predileção por estofados redondos. Já o consumidor
brasileiro prefere sofás quadradinhos”, exemplifica Prado. Segundo
ele, o polo de Bento Gonçalves, que exporta US$ 60 milhões por ano,
resistiu melhor às intempéries da crise global ao redirecionar suas
exportações para mercados na América Latina. “Produtos seriados, de
menor valor agregado, com os quais a serra gaúcha também trabalha, são
mais absorvidos em segmentos populares latino-americanos”.
A partir de 2007, o setor moveleiro do norte catarinense iniciou um
processo de retomada do mercado doméstico. A promoção da Feira Móvel
Brasil, a cada dois anos, em São Bento do Sul, contribuiu para essa
reconquista. “Ações integradas foram sendo realizadas, como melhorias na
gestão interna e investimentos em design voltado ao consumidor
brasileiro, além de ampliação da estrutura comercial e ações
mercadológicas”, diz Fernando Gassner, do Sindusmobil. Ele acredita que o
ideal é o polo moveleiro estar presente tanto no mercado interno quanto
no externo, até como forma de aumentar a segurança dos negócios.
“Obviamente, as exportações são importantes, daí a necessidade de uma
política cambial adequada”, acrescenta Gassner, que reivindica também
incentivos do governo para desonerar a folha de pagamento.
Investimentos em design
Apesar da ofensiva dos rivais do Paraná e de Santa Catarina, o polo moveleiro de Bento Gonçalves ainda é o mais importante do
Brasil. E cresce mais ainda quando somado a outras cidades que também se
inserem na cadeia moveleira, como Gramado, Canela e Lagoa Vermelha. Tem
o maior faturamento e apresenta, ainda, os produtos com maior valor
agregado do país. “O que nos salva é a linha de móveis planejados, que
exige maior investimento em tecnologia e design, além de matéria-prima
diferenciada. Com isso, crescemos entre 3,5% e 4% no ano passado, ante
uma média nacional de 3%”, diz Ivo Cansan, presidente da Associação das
Indústrias de Móveis do RS (Movergs).
Cansan aponta o custo de logística como uma das desvantagens na disputa
com o polo de Arapongas, que está bem mais próximo de fornecedores de
materiais, componentes e acessórios, que ficam principalmente em São
Paulo e no próprio Paraná. Além disso, tem acesso facilitado aos
principais mercados consumidores do sudeste do país – o que proporciona
benefícios logísticos. O presidente da Movergs calcula
que, por causa disso, a diferença de custos a favor dos paranaenses gira em torno de 6% a 8%.
Já as empresas de Santa Catarina estão mais próximas dos portos de
Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), o que facilita ações de cabotagem e
exportação, como salienta a presidente do Sindicato das Indústrias do
Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Cátia Scarton. A política de
incentivos fiscais desenvolvida por governos de outros Estados é mais
um fator de desvantagem para os gaúchos. “Somada à diferença de custo de
transporte e logística, causa impacto importante”, assinala Renato
Hansen, coordenador do Centro Gestor de Inovação Moveleiro (CGI Móveis).
A presidente do Sindmóveis aponta a saída para o impasse: “Para buscar
diferenciação e contrapor essas possíveis dificuldades,
as empresas gaúchas apostam na diversificação do mercado brasileiro. A
finalidade é atingir todo o território nacional, sempre valorizando a
sustentabilidade, o design e a inovação tecnológica”.
Conciliador, o consultor Marcelo Prado ressalta que é um pensamento
“bairrista” considerar que há uma guerra entre os polos regionais, já
que esta não é uma disputa na qual haverá apenas um vencedor. “Os três
polos estão em rota de crescimento”, contemporiza. O representante das
fábricas do norte de Santa Catarina também acredita que há espaço para
todos. “Estamos trabalhando para ampliar nossa presença no mercado
brasileiro, apenas isso. Essa busca por maior demanda não tem a intenção
de disputar posições com a indústria moveleira do Rio Grande do Sul”,
diz Fernando Gassner. Seja como for, a concorrência é mesmo a alma do
negócio, como destaca a presidente do Sindmóveis: “O que existe entre
todos os polos moveleiros do país e do exterior é uma competição por
mercado e por melhores oportunidades. Essa concorrência ocorre,
inclusive, entre empresas pertencentes ao mesmo polo”, destaca Cátia
Scarton.
Cenário de novela
Com a retomada do mercado de móveis no país, novos polos moveleiros
começam a ganhar corpo na região sul do Brasil. Ancorado na realização
da Feira Mercomóveis, em Chapecó, que registra um crescimento de 20% a
30% a cada edição, o oeste de Santa Catarina exporta US$ 20 milhões por
ano. O destaque são os armários, camas, poltronas e sofás. A expectativa
é de um crescimento de 4,2% do faturamento em 2013. “É o segmento
industrial que aglutina maior quantidade (1,1 mil) de empresas em nossa
região. No que se refere à geração de empregos, ocupa o terceiro lugar
e, em faturamento, é o quarto colocado”, relata Osni Verona, presidente
do Sindicato das Indústrias Madeireiras e Moveleiras do Vale do Uruguai
(Simovale).
Verona é responsável por boa parte da visibilidade nacional do polo de
Chapecó, que ganhou destaque a partir de 2002, quando a Verona Móveis –
empresa da qual é dono – passou a fornecer móveis para ambientação
cenográfica das telenovelas da Rede Globo. “Os arquitetos e decoradores
da Globo descobriram nossos produtos quando buscavam mobiliário com
características da década de 1960, como mesas e
poltronas”, conta Verona.
Motivados pelo exemplo histórico de Arapongas, os empresários de Ponta Grossa também estão tentando implantar um polo moveleiro
na região central do Paraná – este, com foco na produção de móveis
modulados em grande escala. “Temos aqui matéria-prima, infraestrutura,
grandes redes de varejo e uma gama de compradores em potencial. Vamos
agora colocar o trabalho.
Estamos ainda em fase de planejamento, reuniões e alinhamento de ações”,
diz Joselito Antonio Przybzlovicz, presidente do Sindicato das
Indústrias de Serrarias, Carpintarias e Tanoarias e de Marcenarias de
Ponta Grossa. Ele se refere especialmente à fábrica da Masisa, principal
produtor de painéis da América Latina, que está instalada no município.
Além disso, aponta a infraestrutura proporcionada pelo distrito
industrial da cidade como um fator extra de atração de novas indústrias.
Mas, para implantar o novo polo, é preciso antes tirar da informalidade a
maior parte da cadeia produtiva. “Das cerca de 200 marcenarias
existentes em nossa região, somente sete ou oito são filiadas ao
sindicato. A maioria é de fundo de quintal”, afirma Przybzlovicz. A
ideia é incentivar a criação de cooperativas para obter vantagens na
compra de materiais e distribuição de produtos. Na falta de recursos
para bancar
investimentos pesados em maquinaria, a opção é qualificar o trabalho
manual com a realização de cursos para auxiliar de marceneiro, em
parceria com o Senai. “Em breve, vamos oferecer cursos também de
profissional marceneiro, além de buscar suporte junto ao Sebrae para a
realização de cursos de gestão. Muitas vezes, o marceneiro não sabe
sequer fazer o cálculo do quanto gastou para definir o preço de um
armário”, adianta Przybzlovicz.
Fatores de crescimento
O desempenho positivo do setor moveleiro está relacionado a fatores
como a redução temporária do IPI e o incremento das atividades do setor
da construção civil, aponta Marcelo Prado, do IEMI. Da mesma forma, a
expectativa da Copa do Mundo de 2014 no Brasil movimenta o mercado
doméstico nas linhas de produtos para hotelaria, bares e restaurantes.
Em 2013, a produção de móveis no país deverá crescer 5,5% – 3,5 pontos
percentuais a mais que em 2012. No varejo, o aumento deverá ser de 6,8%,
ante 4,5% no ano anterior. “A expectativa é de que, após a corrida por
produtos da linha branca e de automóveis, que também foram beneficiados
pela redução do IPI, o consumidor adquira maior quantidade de móveis em
2013. Até por uma questão de necessidade, já que voltou seus
investimentos para outros tipos de produto no ano passado”, torce Prado.